O post de hoje era para ser sobre yoga e atividades afins, mas nessa semana me deparei com um assunto recorrente e sinto que preciso me expressar. Quase entrei em discussão de facebook, quase comentei matéria de jornal e quase respondi postagem de blog gringo. Mas todas as vezes achei que seria má ideia, que não ia conseguir transmitir o que estou pensando, que ia receber respostas escrotas, enfim, só ia perder tempo e me estressar.
O assunto é o seguinte: mulheres devem tentar emagrecer? Por quê? Pra quem?
O primeiro evento que me fez pensar nisso - essa semana, né, hehe - foi uma discussão de facebook que, na verdade, era sobre maquiagem, algo a respeito de por que homens não podem usar ou algo assim. A conversa rapidamente degringolou para afirmações como:
- "Homem nenhum gosta de maquiagem; mulher usa para competir com outras mulheres";
- "Homem não usa porque não é obrigado a ser perfeito/bonito, como as mulheres",
- Homens respondem: "são, sim, só que o padrão é outro, é o da macheza" etc.
Ok que o assunto é maquiagem e não emagrecimento, mas no final dá no mesmo. Trata-se de padrões de beleza e expectativas.
Vamos à primeira afirmação, que me irrita profundamente: de que mulheres se arrumam não para os homens, mas competir entre si (normalmente dita por homens). Não sei o que é pior, presumir que a identidade visual da mulher existe em função dos homens, ou aquela velha história de que não existe amizade verdadeira entre mulheres, pois estão sempre em competição. Que chatice, hein? Depois, se estão em competição, é pelo quê? Óbvio que, no fundo, a competição seria pela atenção dos homens, então nada mais é do que o habitual egocentrismo masculino, acrescido de uma diminuição dos sentimentos pelas mulheres (no caso, delas por elas mesmas).
Aliás, se mulher não é realmente amiga de mulher, e homem só é amigo de mulher quando tem interesse sexual nela, ou seja, também não é realmente amigo, o que sobra para a pobre coitada? Ser sozinha e infeliz nesse mundo frio e insensível, enquanto os homens desfrutam do mais profundo senso de camaradagem ("bros before hoes")? Ah, sim, sobram seus maridos e namorados, únicos capazes de serem seus reais companheiros...
É tão difícil assim imaginar que a mulher pode estar se arrumando/maquiando/emagrecendo por si própria, e não por um terceiro, seja homem ou mulher? Simplesmente porque ela olha no espelho, não gosta do que vê e está a fim de se sentir melhor? Eu sei que isso é superclichê e inclusive tenho abuso desses papos de ter que se valorizar, blablablá, mas pelo menos EU sou assim: quando estou em frente ao armário escolhendo o que vou usar, não estou pensando no meu namorado ou na "concorrência"; estou considerando o que vai me cair bem naquele dia.
Claro que quero que me achem bonita. Claro que quero poder presumir que, se eu ficar a fim de alguém, ele terá interesse por mim. Claro que, num encontro com mulheres, não quero ser A MAIS horrorosa do grupo. Mas isso não quer dizer que eu me arrumo ou emagreço em função deles. Sabe como funciona para um homem? Então, igual.
Ah, se é igual, então por que mulheres passaram horas se arrumando, enquanto homens ficam prontos em 15 minutos? Por que passam 20 produtos de maquiagem na cara, enquanto o homem não precisa de nenhum para se sentir bem? Por que se submetem a dietas eternas, quando não a procedimentos invasivos, enquanto o homem cultiva uma barriguinha sexy? Aí vem a questão da cobrança, que é totalmente diferente para homem e para mulher. O que é considerado normal ou aceitável para um, não é para outro, e quem negar está mentindo. Até tinha me proposto a argumentar que nem gente e dar os zilhões de exemplos que comprovam que isso é mentira, mas me deu preguiça. Vamos lá: pense honestamente e você saberá que mulheres são infinitamente mais cobradas em sua aparência do que homens.
E, por falar em mentira, acho muito engraçadas essas afirmações unânimes de que homens não gostam de maquiagem. Pode até ter um ou outro caso excepcional de homens que não gostam mesmo, mas, se você mostrar duas fotos da mesma mulher, uma com maquiagem (bem feita e não exagerada, óbvio) e outra sem, aposto que a grande maioria prefere a com maquiagem. É certo que a maioria realmente não gosta de maquiagem exagerada, mas a mesma maioria nem percebe muito bem se a mulher está maquiada ou não, a não ser quando tem alguma coisa óbvia, tipo esfumadão preto, bocão vermelho, blush palhaço etc.
Meu problema com esse tipo de discurso são dois:
1) Critica a mulher que usa maquiagem sem que homens gostem, mas espera uma atitude autônoma.
Com isso quero dizer o seguinte: não gosta de maquiagem? Azar o seu! Eu que estou usando. Inclusive adoro uma maquiagem exagerada, do tipo que homens não gostam mesmo, mas e daí? Dá licença para EU gostar? Se o discurso é que a pessoa tem que ter sua identidade visual definida em função de si mesma, e não de outrem, por que ficam julgando todo mundo que não está de acordo com o gosto masculino?
2) Diz que prefere a mulher ao "natural", mas zoa/rejeita/pretere a mulher se for feia.
Essa, pra mim, é a questão crucial, e se aplica melhor à questão do emagrecimento. E é aí que entra a questão da Tieta velha.
A Tieta velha foi o segundo evento a gerar esse desabafo. Trata-se da seguinte notícia: Betty Faria, eterna Tieta, foi à praia. De biquíni. Por que isso é notícia? Porque ela tem 69 anos, não está fazendo (?) cirurgias plásticas, nem se matando para permanecer magra, logo ela não estava uma gostosona como aparentemente é sua obrigação. Além disso, um amigo a censurou, dizendo que ela deveria "se proteger mais".
Aí ela ficou puta - com razão - e fez uma espécie de protesto pelo direito de envelhecer:
“O mundo quer uma burka para as mulheres que estão tentando viver e sobreviver aos tempos, às décadas, às agruras da vida, e muito mesmo a uma vida bem vivida. Não quero burka, não! Vou morrer velhinha de biquíni na praia. É uma sensação de liberdade tão boa. É o mínimo nesse Brasil tão careta."
Como seria de se esperar, o "protesto" foi compartilhado e curtido aos milhares no Facebook. Na parte de comentários da notícia, praticamente todos estão apoiando a atriz, com muitos dizendo que ela tem toda razão porque ela ainda pode usar biquíni, ou porque ela sempre será a Tieta. Ou seja, ela, sim; outras velhas menos famosas ou um pouco mais gordas, não.
Mas esse nem foi tipo de comentário que me incomodou mais. Paradoxalmente, o que me irritou foram os incontáveis comentários de caras apoiando a atriz e se posicionando contra a plastificação das mulheres, contra a "ditadura da magreza", contra aquelas que não aceitam a velhice e o próprio corpo e ficam se privando eternamente em dietas ou correndo risco de vida em cirurgias para alcançar a forma perfeita.
Ué, mas esses caras estão sendo legais, qual o problema? É que esses mesmos caras, quando deparados com uma mulher mais velha que não fez plástica, com uma gordinha, ou, pior e mais natural ainda, com uma velha gordinha, tendem a rejeitá-la. Claro que sempre tem exceções, e aquele caso do um cara que é amigo do cunhado do seu tio e preferiu uma velhota gorda a uma novinha gostosa é exatamente isso: a exceção que confirma a regra.
Ou seja: na prática, o cara te rejeita se você não se submete ao padrão de beleza; no discurso, ele te condena se você se submete à "ditadura da magreza" e toma providências para melhorar sua aparência. Não tem escapatória: a menos que você seja aquele 1% de pessoas naturalmente gostosas e na restrita faixa etária considerada ideal, você vai estar errada. E, em muitos casos, vai estar errada mesmo se for uma dessas sortudas, afinal sempre tem alguém para te achar magra ou gorda demais.
Aliás, muitas vezes esse discurso que aparentemente é a favor da mulher "normal" se transforma em mais uma regulação escrota do corpo da mulher. É o caso do terceiro evento que me fez escrever tudo isso: a discussão sobre o corpo da atriz Christina Hendricks.
Christina Hendricks faz o papel de Joan Holloway/Harris na série Mad Men (amo e recomendo com força). Ela é A gostosona da parada, sempre retratada como femme fatale, naquelas tomadas de câmera que endeusam a mulher (subindo devagarinho, de baixo pra cima etc.). O interessante é que ela é bem voluptuosa. No início eu achava que era apenas, enfim, um retrato fiel do padrão de beleza da época (anos 60), que favorecia mais as curvas que o atual, principalmente considerando os EUA (nossas popozudas saradas lá seriam consideradas gordas). Mas, depois, fui reparando melhor, e ela é um pouco mais que curvilínea; tem barriga, umas pernas gordinhas e tal. Achei massa.
Não simplesmente porque é uma "gordinha" fazendo sucesso, mas porque ela é retratada como gostosa, e isso faz toda a diferença. Tem vários sites proclamando que "as curvas estão de volta à moda", comparando a Hendricks com a Adele e com a Lena Dunham, da série Girls. Sinceramente, acho que não tem nada a ver. A Adele é sempre zoada por ser gorda, ou admirada por ser "gorda, mas com um rosto lindo" (como se presumivelmente gordas fossem feias). A Lena Dunham tampouco é referência de beleza; aliás, o papel dela é justamente o de uma gordinha insegura. A Hendricks não: ela é a fodona da série, colocada pela TV e considerada pelo público como muito mais atraente que as outras atrizes padrão da série.
Aí chega um babaca e faz um post dizendo que ela está gorda, e não "curvilínea". Para comprovar que ela engordou, posta fotos comparando ela de boa na piscina (pega de surpresa por paparazzi) com fotos promocionais da série, todas montadas. Além do anta não perceber o absurdo de fazer uma comparação dessas, ainda faz comentários do tipo (traduzi livremente):
"Na primeira temporada de Mad Men, todos ficamos loucos por Christina Hendricks porque ela não parecia uma loira burra esquelética com peitos turbinados. Eca. Elas parecem copos descartáveis de café, prontos para serem preenchidos com sêmen e baixa auto-estima...e talvez uma pitada de Valtrex. Me entristece que sempre digam às garotas que elas precisam parecer um picolé cor-de-laranja com semicírculos colados no tórax."
Talvez você ache que esse é um cara legal, que é contra a padronização da mulher. Que essa agressividade contra as mulheres que se submeteram à "ditadura da beleza" é justificada. Mas logo ele acrescenta, referindo-se ao ganho de peso da Christina:
"Mas, por causa desse absurdo de "ela está trazendo as curvas de volta", foi como se repente qualquer coisa servisse, e logo isso aconteceu (ela engordou). Não estou tentando ser cruel, mas sei que vão ficar com raiva de mim por dizer isso. E imagino que provavelmente o motivo para isso é que também são gordos, e estão procurando uma maneira de justificar sua total falta de controle. É que ela simplesmente não parece saudável. Vou presumir que a única razão pela qual as pessoas são tão inclinadas a defendê-la é porque ela tem peitos gigantescos. Não me entendam mal, eles são fantásticos. Só queria que ela fizesse um pouco de caminhada ou algo assim, afinal é um ótimo exercício. É, eu sei, Sou tão babaca por querer que as pessoas sejam saudáveis."
Ah, olha só que bonzinho, ele só quer que ela seja saudável! Que legal da parte dele!
Sério que alguém acredita? Acho que nem o próprio cara acredita nisso...O cara não está nem aí se a mulher é saudável ou não; ele quer é que ela seja gostosa, de acordo com a definição dele e para apreciação dele. Ele não sabe se ela está saudável ou não. O mero fato de ter engordado não quer dizer nada. Tem gente que tem um biotipo mais gordo que outros e o saudável e normal para essa pessoa é ser gorda.
Gordice também não depende unicamente de autocontrole. Claro que é necessário para emagrecer, mas uma pessoa não é gorda por causa disso (a não ser em casos extremos), mas por causa do seu metabolismo. Duas pessoas podem comer exatamente a mesma coisa e uma ser gorda e a outra ser esquelética. Uma pessoa pode comer supersaudável e ser gorda e outra pessoa que só come porcaria ser magra e definida.
Gordice também não depende unicamente de autocontrole. Claro que é necessário para emagrecer, mas uma pessoa não é gorda por causa disso (a não ser em casos extremos), mas por causa do seu metabolismo. Duas pessoas podem comer exatamente a mesma coisa e uma ser gorda e a outra ser esquelética. Uma pessoa pode comer supersaudável e ser gorda e outra pessoa que só come porcaria ser magra e definida.
Então a mulher não está como o cara queria e ele começa a culpá-la, dizendo que ela é descontrolada e preguiçosa e ele tem todo o direito de normatizar o corpo dela porque, afinal, ele só quer o seu bem. O mesmo cara que, dois parágrafos antes, escrotiza as magrelas por se submeterem ao padrão de beleza estabelecido.
Pra mim, essa é a mesma atitude da maioria dos apoiadores da Betty Faria. As pessoas criticam o padrão, mas querem que você se encaixe nele, ou em um levemente diferente daquele. Não pode ser nem um pouco a mais, nem um pouco a menos: somente a perfeição é aceitável, saudável, normal.
Mas que perfeição é essa?
Vi essa semana uma matéria com um editor da Playboy, em que ele era questionado por criar mulheres irreais, propagando um padrão de beleza que só é alcançável por meio de Photoshop. Ao mesmo tempo, tem essas campanhas da Dove, celebrando a "beleza real", que são compartilhadas e curtidas por deus e o mundo.
Gente, sério que é preciso que alguém venha te falar que ninguém é perfeito? Pior então quando estria de modelo vira notícia, e vêm aqueles comentários: "nossa, Fulana também estrias!!!". Você realmente acha que elas não têm estrias ou nada parecido, que é só você? Elas têm, sim, e muitos outros "defeitos" que estão na nossa cara, mas que, por algum motivo, passamos a achar bonitos ou aprendemos a perdoar. É tão óbvio que me sinto um pouco estúpida de falar isso.
Gente, sério que é preciso que alguém venha te falar que ninguém é perfeito? Pior então quando estria de modelo vira notícia, e vêm aqueles comentários: "nossa, Fulana também estrias!!!". Você realmente acha que elas não têm estrias ou nada parecido, que é só você? Elas têm, sim, e muitos outros "defeitos" que estão na nossa cara, mas que, por algum motivo, passamos a achar bonitos ou aprendemos a perdoar. É tão óbvio que me sinto um pouco estúpida de falar isso.
Nessa semana, tinha uma manchete que dizia: "Gisele Bündchen exibe corpo perfeito em ensaio da Vogue". Aí olhei a foto e vi o corpo de sempre da Gisele, só que com mais óleo e bronzeador artificial. Pra falar a verdade, nunca achei o corpo da Gisele grande coisa. Aliás, meu referencial de beleza sempre foram mulheres gostosas, não modelos magrelas. Acho estranho que as mesmas gurias zoadas na escola por parecerem girafas sejam endeusadas por seus zoadores quando aparecem na passarela e na televisão.
Acho que é justamente isso que acontece. Se dizem que uma coisa é bonita, e repetem aquilo mil vezes, e todo mundo parece concordar, no fim você começa a achar que é bonito mesmo (tipo calças saruel ficando na moda, haha). As pessoas perdem o próprio parâmetro do que é bonito; param de acreditar nos seus olhos para confiar no discurso. Sabe quando pegam aquela atriz super-sem-graça e colocam para fazer o papel de linda na novela? Você pensa que ela nunca vai convencer ninguém, mas logo vê a mulher saindo em tudo que é capa de revista de beleza e boa forma, sendo cotada para a Playboy e povoando as fantasias masculinas - e femininas. Esquecem que ela é uma pessoa, com todos os seus defeitos visíveis e invisíveis.
Por isso achei tão interessante a Christina Hendricks no papel de gostosona. Ela não é perfeita, nem precisa ser. É só outro padrão de beleza.
Por isso acho que você tem que se orientar pelo que você acha bonito e se esforçar o quanto você quiser para alcançá-lo. Ninguém tem nada com isso. Quem vai sentir a dor e a privação é você; quem vai sentir a rejeição e a insatisfação também é você.
Por isso acho que a Betty Faria tem todo direito de ir à praia de biquíni, se ela se sente confortável com isso. Mas quem não se sente também tem o direito de não ir ou de usar um maiô, ou mesmo de fazer uma plástica.
Por isso eu uso maquiagem e tento emagrecer: quero olhar no espelho e achar que está bom, independentemente dos outros homens e mulheres. Mas também quero poder sair de cara lavada, engordar e envelhecer sem ninguém me encher o saco.